quinta-feira, 8 de julho de 2010

Resumo.



O objetivo deste artigo é apresentar reflexões sobre o fenômeno na violência urbana, com um enfoque especial na realidade contemporânea da América latina, do Brasil, da Bahia e da cidade de Vitória da Conquista. No entanto, começaremos apresentando avaliações conceituais do referido fenômeno por ciências como a Antropologia, a Sociologia, a Saúde e a Economia, para depois avaliarmos o fenômeno da violência no Brasil, considerando suas causas de um ponto de vista histórico.

Introdução.

Para abrir esta discussão, mostraremos que, embora ciências diferentes dêem enfoques diferentes ao problema da violência, todos concordam que a violência se configura em uma relação dialética, em que um indivíduo mais poderoso exerce conscientemente um dano sobre um outro indivíduo, mental, moral ou fisicamente. Em seguida, faremos uma reflexão sobre a realidade contemporânea da América Latina, do Brasil, da Bahia e de Vitória da Conquista, respectivamente.

Violência: Conceituação.


Uma observação cuidadosamente dos conceitos de violência para os profissionais da Saúde, os Sociólogos e Antropólogos e Economistas, demonstraria que, embora esses conceitos variem sobre alguns pontos , todos partem do pressuposto de que algo ou alguém mais poderoso exerce sobre um outro alguém mais fraco um ato intencional que visa a causar um dano moral, psicológico e/ou físico. É bem verdade que há casos de violência em que o agente e o paciente da violência são o mesmo indivíduo, como quando se fala de suicídio ou auto-flagelamento; porém estes casos, quantitativamente falando, são uma ínfima parte em relação ao total da violência urbana que ocorre no mundo. Assim, pode-se dizer que a violência é um fenômeno social de caráter dialético e tem como conseqüência um dano provocado propositadamente.
Vejamos, portanto, como algumas áreas do saber encaram o problema da violência.
Segundo Dos Santos (2010: 2):

As diferentes formas de violência presentes em cada um dos conjuntos relacionais que estruturam o social podem ser explicadas se compreendermos a violência como um ato de excesso, qualitativamente distinto, que se verifica no exercício de cada relação de poder presente nas relações sociais de produção do social. A idéia de força, ou de coerção, supõe um dano que se produz em outro indivíduo ou grupo social, seja pertencente a uma classe ou categoria social, a um gênero ou a uma etnia, a um grupo etário ou cultural.


Na citação de Dos Santos acima transcrita, é possível extrair dois pontos importantes: 1) a violência se origina das relações de poder dispersas na sociedade, sendo caracterizada, sobretudo, como um ato de excesso, que apresenta características próprias [...violência como um ato de excesso, qualitativamente distinto, que se verifica no exercício de cada relação de poder presente nas relações sociais de produção do social...]; 2) essa relação social específica [violência] envolve um dano causado por um indivíduo sobre o outro, sendo, portanto, dialética e pode envolver questões culturais, sexuais, raciais etc., caracterizando, as vezes, uma tipificação: um indivíduo A agride um outro indivíduo B (com um soco ou xingamentos, por exemplo) por este indivíduo B ser negro, caracterizando uma relação de racismo, por exemplo [A idéia de força, ou de coerção, supõe um dano que se produz em outro indivíduo ou grupo social, seja pertencente a uma classe ou categoria social, a um gênero ou a uma etnia, a um grupo etário ou cultural]
Como se pode ver, para a Sociologia a violência é um fenômeno social de caráter necessariamente dialético, é uma relação social de caráter negativo, pois é desigual e envolve o sofrimento de uma pessoa em relação a uma outra. Para a Antropologia, o conceito de violência apresenta pontos de contato com aquele apresentado pela Sociologia, que são basicamente o caráter social, dialético e, ao mesmo tempo, desigual, pois um sofre prejuízo, dano de outro; a diferença reside na forma como o fenômeno é abordado por cada ciência.
Para a Antropologia, quanto à violência, o que importa no geral são as mudanças provocadas pela violência nos hábitos das pessoas, ou seja, quais são os comportamentos sociais que são afetados pela violência, quais novos comportamentos gera e, por outro lado, quais são aqueles que deixam de ser praticados por conta deste fenômeno. Vejamos o comentário de Gilberto Velho:
Segundo G. Velho (2005: 3):

Antropologicamente o que salta aos olhos é o que poderíamos chamar de uma crescente tendência a redundância nas relações sociais. Os grupos se fecham e as redes sociais se restringem, ficando cada vez menos permeáveis ao contato e a interação com indivíduos e categorias sociais diferentes.

No texto de G. Velho acima transcrito, o autor chama atenção, no que se refere à violência urbana, para uma tendência das pessoas em reduzirem a interação social: o medo as induz a se fecharem em um círculo pequeno de atividades, pois o perigo não é mais é um país inimigo que quer invadir seu território ou uma entidade mitológica; o perigo reside dentro das cidades, o que explica a tendência atual de muitas pessoas de cercarem suas casas de altos muros ou se refugiarem em condomínios fechados.
Para uma outra ciência social (a Economia social) o fenômeno da violência urbana também é encarado como fenômeno social, dialético, que envolve um dano intencionalmente causado por uma pessoa a uma outra. No entanto, há uma pequena diferença: os economistas se concentram mais especialmente nos custos, materiais e humanos, do fenômeno em questão. Para a Economia social a violência urbana de fato afeta a economia, bastando citar a grande quantidade de recursos materiais e humanos dispensados apenas na segurança.
O estudo do fenômeno da violência, porém, não se limita às ciências sociais: os profissionais da Saúde também se preocupam com a violência urbana e seus efeitos (basta mencionar o n° 92 da revista de saúde Radis que fala especialmente da violência e seus efeitos na saúde). A referida revista traz a seguinte definição de violência:

Ação realizada por indivíduos, grupos, classes ou nações que ocasiona danos físicos, emocionais ou morais, a si próprio ou a outros (...) também ocorre por omissão e não apenas por ação, quando se nega ajuda, cuidado e auxílio a quem precisa” Radis, comunicação em saúde, n. 92, p. 12


Embora esta revista se concentre em olhar o problema a partir de questões ligadas à saúde pública, sua definição de violência deixa transparecer o mesmo que as outras apresentadas até agora: violência urbana como uma relação dialética em que algo ou alguém mais poderoso causa dano intencional a outrem. Entretanto, esta revista traz uma classificação tipológica da violência, dividida em 4 categorias: 1) violência física (uso da força para causar injúria, ferida, dor ou incapacidade); 2) violência psicológica (se caracteriza por difamação, injúria, calúnia, ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento e chantagem que leva a dano emocional e diminuição da auto-estima, prejudicando o pleno desenvolvimento das pessoas); 3) violência sexual (a vítima é obrigada a presenciar, manter ou participar de relação sexual mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força) e 4) violência por negligência (quando não são providos os cuidados devidos, o que é mais comum por parte dos pais ou responsáveis contra crianças e adolescentes e contra idosos).
Concluímos esta parte do trabalho, que objetivou demonstrar como algumas áreas do saber entendem a violência urbana, dizendo que, para todas estas áreas, esta relação social denominada violência urbana se caracteriza da mesma forma: uma relação dialética em que uma pessoa mais poderosa causa propositadamente dano a outrem, seja este dano de natureza material ou moral e psicológica.

Violência na América Latina.

José Vicente Tavares dos Santos, no texto Violências, América latina a disseminação de formas de violência e os estudos sobre conflitualidades, faz uma associação entre “o aumento dos processos estruturais de exclusão social” e a expansão da violência em sentido geral, ou seja, na América Latina contemporânea existe uma relação direta entre a desigualdade social e o crescimento da violência, o que transformaria o fenômeno da violência em um problema econômico, visto que seu crescimento se deve ao acirramento da desigualdade social, mas também político, pois a própria desigualdade social denota a existência de uma má gestão dos recursos públicos: uma parcela grande da população é arrojada na miséria e na exclusão social, enquanto outra se beneficia das estruturas de exclusão para benefício próprio:

O aumento dos processos estruturais de exclusão social pode vir a gerar a expansão das práticas de violência como norma social particular, vigentes em vários grupos sociais enquanto estratégia de resolução de conflitos, ou meio de aquisição de bens materiais e de obtenção de prestigio social, significados esses presentes em múltiplas dimensões da violência social e política contemporâneas. DOS SANTOS, 2010, p. 2.


No entanto, o autor, falando especificamente da violência urbana, elenca uma série de atividades criminosas que seriam não só as mais graves, como também as mais rotineiras nas grandes e médias cidades da América Latina. Estas formas de criminalidade se devem, segundo Dos Santos, principalmente ao crime organizado (tráfico de drogas e comércio ilegal de armas) e a difusão do uso de armas de fogo.
O autor ainda menciona o exemplo de Bogotá, capital da Colômbia, como um dos exemplos mais graves de violência na América Latina, violência esta oriunda da associação entre focos de violência e crime organizado:

A situação em Bogotá parece ser um tipo extremo na América Latina, capital da qual se pode concluir que: 1) as mortes violentas estão concentradas em alguns focos; 2) a violência instrumental resulta em um maior número de mortes; 3) existe um convergência entre os focos de violência e a presença de estruturas criminais associadas a mercados ilegais”; este tópico de número 3 é o mais importante pois mostra como a violência criminal urbana na América Latina está associada ao crime organizado, que, por sua vez, sustenta mercados ilegais (prostituição, drogas, armas). Idem, ibidem.

Dessa forma, podemos concluir, no que se refere à violência urbana na América Latina, que suas causas remetem ao processo histórico de constituição da colonização no continente, pois os processos de exclusão social seculares não foram resolvidos pelos governos que se sucederam à independência e favoreceram a permanência do estado de violência generalizada que se vê.

Violência no Brasil, na Bahia e em Vitória da Conquista.


Em uma seção de seu texto, dedicada especialmente à violência brasileira, Dos Santos (2010: 3) descreve sucintamente os principais tipos de violência que ocorrem no país:

a) o crescimento da delinqüência urbana, em especial dos crimes contra o patrimônio (roubo, extorsão mediante seqüestro) e de homicídio dolosos (voluntários); b) a emergência da criminalidade organizada, em particular em torno do tráfico internacional de drogas que modifica os modelos e perfis convencionais da delinqüência urbana e propõe problemas novos para o direito penal e para o funcionamento da justiça criminal; c) graves violações dos direitos humanos que comprometem a consolidação da ordem política democrática; d) a explosão de conflitos nas relações intersubjetivas, mais propriamente conflitos de vizinhança que tendem a convergir para desfechos fatais.


No caso do Brasil não só se verifica um aumento da criminalidade organizada em torno de uma atividade econômica ilegal, como o tráfico de drogas, por exemplo, como também do fato de que essa criminalidade envolve cada vez mais os jovens.
É também interessante notar, quanto ao tópico (b) [a emergência da criminalidade organizada, em particular em torno do tráfico internacional de drogas que modifica os modelos e perfis convencionais da delinqüência urbana e propõe problemas novos para o direito penal e para o funcionamento da justiça criminal] a presença no Brasil da mesma relação entre crime organizado e focos de violência, apresentada por ele como característica da América Latina, o que mostra que mesmo o país mais rico do continente sofre dos mesmos problemas que os demais, o que recolocaria a seguinte questão: qual seria então a causa da violência, uma vez que ela afeta dos países mais pobres do continente até o Brasil, apresentando as mesmas características e mesma gravidade?
As causas da violência, no geral, remontam a problemas estruturais causados pela desigualdade social decorrente do processo de formação da sociedade: uma sociedade desigual e escravocrata manteve os mesmos padrões de exploração e desigualdades na atualidade, sendo que o enriquecimento do Brasil sem uma proposta de desenvolvimento sustentável e diminuição da desigualdade social não foi o suficiente para erradicação dos problemas. As citações extraídas de Gilberto Dimenstein abaixo transcritas demonstram que parte da violência atual se deve a processos seculares de exclusão social não resolvidos: Dimenstein (2001: 59) “qualquer um que já tenha presenciado uma batida policial sabe que negros e mestiços são revistados e agredidos pela polícia, numa porcentagem claramente superior à sua presença relativa na população”
A presença causada pela herança da desigualdade nos tempos atuais fica mais evidente na seguinte citação. Dimenstein (2001: 59):

Uma das heranças da escravidão é o preconceito contra negros e mulatos, cuja imagem, entre policiais e parte da população, é ligada à delinqüência. Um policial em São Paulo chegou a dizer: para mim, todo negro em carro novo é suspeito. E se correr, eu atiro.

Assim, parece redundante falar que a solução mais viável para redução dos problemas de violência no Brasil e na América Latina seja um projeto político de diminuição da desigualdade social e combate ao narcotráfico.

Os casos da Bahia e de Vitória da Conquista.

O atual governador da Bahia, Jacques Wagner, justifica a sua proibição de divulgação de dados sobre violência no Estado nos últimos anos: manutenção dos computadores da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia por seis meses. As taxas de homicídio chegando a 14 mil nos últimos anos (cf. Blog do Gedel, acesso julho de 2010) dão um indício de que não só o problema da violência no Estado tornou-se um grave e crescente problema, como parece estar fora de controle. As causas parecem ser as mesmas que as do resto do país: crime organizado e tráfico de drogas decorrentes de históricos subdesenvolvimento e desigualdade social.
Vejamos o caso de Vitória da Conquista.
Em 2007, o então prefeito da cidade publicou um livro intitulado Conquistas da juventude: políticas públicas e cidadania em que se faz uma avaliação dos últimos anos de seu governo. O foco do Trabalho são os jovens. O que se percebe da leitura do livro é que existem graves problemas estruturais (analfabetismo, violência generalizada, tráfico e consumo generalizado de drogas ilícitas, dentre outros) embora o governo tente ocultar estes fatos. Por exemplo: uma quantidade enorme de jovens alegou conhecer pessoas que consumiam e/ou vendiam drogas, mas, nos textos que compõem a coletânea do livro este problema sequer aparece; outro ponto: mais de 90% dos jovens (somando-se estudantes de escolas públicas e particulares) alegou não confiar na polícia sob nenhuma hipótese (chacinas envolvendo policiais na cidade há alguns meses pode ser uma explicação desta desconfiança – talvez problema antigo que ainda não foi solucionado, conforme nota 3, deste trabalho). Isto indicaria uma usual truculência da força policial, ou de parte dela, ilegal e ocultada. A falta de estudos locais e proibições como a do então governador inibem uma melhor visualização do problema da violência local. Há alguns projetos que visão a combater algumas faces da violência na cidade. São os seguintes:
O projeto Sentinela combate a violência, sobretudo aquela praticada contra jovens e crianças. Este projeto, segundo Monalisa Barros (2007: 85), tem objetivo de “oferecer proteção integral a crianças e adolescentes a fim de minimizar os efeitos causados pela violência”; o principal tipo de violência combatido pelo projeto diz respeito à violência sexual praticada contra jovens e crianças.
O projeto Conquista Criança, por outro lado, tem um caráter mais preventivo, pois ele objetiva retirar crianças em condições de risco e colocá-las em atividades de cunho educacional. O público em geral é formado por crianças que trabalham nas ruas da cidade (catando latas, papelão, vendendo doces etc.).
Atitudes como estas (esconder o problema para não assumir descompromisso político) somente contribuem para o aumento da violência e não seu fim. Deve-se, portanto investigar os males que a causam e trabalhá-los visando à construção de uma cidadania verdadeira.